sexta-feira, 2 de julho de 2010

Ouvir e Observar


             Nós precisamos aprender a arte de ouvir e observar; porque é isso que são, uma arte, um Dom. Você pode achar estranho, mas não sabemos fazer nada disso; é uma situação muito excepcional quando estamos ouvindo de verdade alguém; na maior parte do tempo nós estamos rotulando e julgando tudo que nos dizem. Alguém nos diz algo, nós comparamos com nossos conceitos e logo a mente bate um carimbo: “isso não serve para mim”; bom, assim não é possível de verdade aprender alguma coisa; estamos apenas reforçando as paredes que rodeiam nosso mundinho medíocre.
            O mesmo ocorre com o que vemos: cada imagem que chega logo recebe um carimbaço; nossos preconceitos dão um bom exemplo de como funciona este mecanismo: um racista vê uma pessoa de outra raça e logo a mente o rotula – ahá, lá está, uma ameaça, um objeto para ser odiado; nunca o tinha visto antes, não lhe fez mal algum, mas o odeia; ou seja, não consegue ver aquela pessoa, vê apenas uma forma que sua mente criou.
            São duas coisas mecânicas, automáticas, que nos tornam menos humanos, menos conscientes. Para que surja um pouco de luz precisamos de uma forma de percepção diferente.
            Para ouvir alguém temos que acabar com essa mania de rótulos; abrir-se para algo novo, que é a percepção que outra pessoa tem de coisas ou acontecimentos; essa é uma das primeiras coisas que aprendemos quando começamos a ouvir: o mesmo fato, as coisas, este mundo em que vivemos, são percebidos de maneira muito particular por cada pessoa. Este interesse sincero que criamos pela narrativa de alguém logo produz um estado de empatia que nos permite compreende-la; sempre que surge empatia nós conseguimos ver algo do ponto de vista de outra pessoa; isso é muito rico, é uma experiência maravilhosa, pois derruba barreiras de incompreensão. Então, nada de julgamentos; basta ouvir e sentir a mensagem da pessoa.
            Neste estado de empatia podem nos ocorrer palavras que vão tocar profundamente nosso interlocutor e podem ajudá-lo a tomar decisões importantes em sua vida; quando estamos apenas julgando é comum que sejamos injustos e até cruéis, a despeito de estarmos muitas vezes bem-intencionados.
            Mas o benefício maior é do ouvinte: essa disciplina é muito rica em aprendizado e estimula poderosamente a consciência. Observe que pessoas excessivamente falantes normalmente espantam os outros; mas bons ouvintes valem seu peso em ouro e são amados de maneira muito especial pelo círculo de pessoas que o rodeia.
            Com a observação ocorre o mesmo; nosso propósito aqui é simplesmente ver, sem julgar ou rotular nada; apenas assim podemos perceber o novo. Em nossa vida olhamos mecanicamente para uma flor e logo surge uma informação na mente: “isto é uma flor; apenas uma flor comum”; o observador olha para uma flor e vê um milagre da natureza; aquela flor é única, aquele momento é único, e sensações deste tipo estimulam poderosamente nossa consciência.
            Preste atenção, querido leitor: não estou falando em trocar um modismo da mente por outro; nada de auto-enganos ou faz-de-conta; algumas pessoas ansiosas por resultados convertem exercícios assim num teatrinho infantil: “Oh, meu Deus, veja só essa flor, quanta beleza, quanta pureza, e etc. e tal”; não, não, não, não vai haver pozinho mágico em cada coisa que você observar, você está exercitando sua consciência e está atrás do real; observe apenas. Alguém poderia dizer: “Olhei para a flor e não senti nada, nem bom nem ruim”; ótimo, maravilhoso!
            A observação de outras pessoas vai produzir a mesma empatia que descrevi no exercício do ouvinte. Isso pode ser usado de várias maneiras; bons vendedores são muitas vezes excelentes observadores, logo descobrem como a pessoa funciona e usam isso para conquistar sua confiança e vender-lhe algo. Bons médicos também usam isso; na verdade a arte de observar pode nos tornar melhores em qualquer coisa que façamos.

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