O Ano Novo é sempre um período que
convida naturalmente à reflexão; isso não acontece por acaso: o fim de um ano
nos coloca diante de todos os processos cíclicos que dirigem o universo e nossa
própria vida. A natureza funciona baseada em ciclos, em seqüências circulares
de eventos encadeados que conduzem infinitamente à repetição, ao ponto de
partida: a semente germina, a planta desenvolve-se e produz maravilhosos frutos
carregados de sementes. A água cai das nuvens na forma de chuva; infiltra-se no
solo, alimenta as nascentes dos rios; viaja centenas de quilômetros até
desaguar no mar, então evapora e retorna às nuvens, incessantemente.
E, finalmente, temos os ciclos
temporais, que são a própria essência disso que chamamos tempo: a rotação
terrestre que produz a alternância de dias e noites; os ciclos lunares, tão
importantes para todos os organismos vivos, e o grande ciclo que resume a
própria vida: o ano, a magnífica volta que nosso planeta descreve ao redor de
nossa estrela solar. Esse balé cósmico de aproximação e afastamento do Sol
produz as quatro estações e sintetiza as dinâmicas fundamentais da vida em
nosso planeta.
Iniciar um novo ciclo é uma
experiência mágica, é a própria celebração da vida. Os povos antigos,
conectados que estavam à natureza, celebravam a magia da alternância dos ciclos
com grandes rituais sagrados. O rito tem aqui a função de preparar o espírito,
de reunir energias psíquicas para um novo início nessa espiral infinita. Essa é
ainda a essência de nossas celebrações, infelizmente tão embrutecidas pela
sociedade de consumo: é a comemoração, a expressão da felicidade por chegar ao
fim de um ciclo, e a preparação espiritual para um novo amanhecer. Há duas
esferas distintas na celebração do ciclo: uma esfera coletiva, onde reunimos as
pessoas que nos são queridas; aqui nós devemos comemorar e agradecer pelo apoio
mútuo na caminhada; é também o movimento de pedir e receber o perdão pelas
faltas cometidas (queimar as dívidas, como dizem alguns). Mas o mais importante
é celebrar um pacto sagrado de colaboração para o novo ciclo que se inicia;
esse é um ritual de sabedoria e humildade em que reconhecemos nossa verdadeira
posição diante do universo: sozinhos somos muito pequenos, mas juntos somos uma
extraordinária força transformadora !!!
A outra esfera é interior, junto à
nossa coletividade interna; pois é assim que somos concebidos nas culturas
xamânicas: uma soma de forças naturais e poderes espirituais que cooperam entre
si para se desenvolverem. Espiritualmente um ciclo significa tarefas a cumprir,
objetivos a alcançar. Daí essa tendência inata de fazer balanços no final de
ano: é o momento de avaliar como estamos caminhando. Isso era mais fácil em
sociedades que tinham valores espirituais definidos; hoje, em que todos os
valores são relativos, as crises de identidade são uma constante na vida das
pessoas. Não há melhor solução para isso do que voltar-se para dentro. O xamã
afasta-se de seu mundo para ouvir a voz dos espíritos; busca o silêncio e a
solidão para colocar-se em contato com seu deus interior. Isso explica o
poderoso impulso que muitas pessoas sentem nessa época de afastarem-se e ficar
em retiro: o fim do ciclo abre uma poderosa janela para contato com o self, com
o si mesmo. É o momento de esclarecer objetivos. Sempre devemos ter metas
definidas para o futuro; somente assim nossa psique tem energia, quando há um
foco para concentrar esforços; quando não sei para onde quero ir não vou a
lugar algum...
No ritual de ouvir o íntimo estamos
pedindo a Deus que ilumine nosso caminho. Feliz Ano Novo, irmão caminhante !